Como o Inverno é rigoroso, mal permitindo que as pessoas saiam de casa, e as noites muito longas, fazem serões até cerca da meia noite. Mas para isso é preciso que o ambiente seja confortável. Então, fazem os serões onde se coze o pão que, devido ao calor saído do forno e do braseiro da lareira, com as portas e janelas bem fechadas, conserva as casas quentes pela noite adiante. Quase todas as cozinhas têm um forno que serve tanto para cozer a fornada, como para aquecimento da casa. Mas como para aquecer o forno ao ponto de cozer o pão se gasta muita lenha e esta nem sempre abunda no «solhal» só de quinze em quinze dias, aproximadamente, é que o fazem.

A fornada costuma ser de quatro alqueires em farinha de centeio e milho que, depois de peneirada e amassada, dá para fazer à volta de quinze broas com cerca de cinco quilos de peso cada uma. Quanto mais numerosa for a família, maior é também a fornada, para que tenham só o trabalho e a despesa de duas cozeduras por mês. O cereal é transformado em farinha nos moinhos movidos a água, que são pertença de quase todas as famílias da freguesia. Noutros tempos pertenceram só a meia dúzia de pessoas, mas com o decorrer dos anos foram-se dividindo através de compras e de heranças, até que hoje todos lá têm algumas horas por mês para moerem o cereal. Esses moinhos não funcionam durante o Verão por falta de água, porque, além da escassez, a pouca que existe é utilizada na rega dos campos. Durante esse período servem-se duma espécie de fábrica de moagem que trabalha a motor, mas têm de pagar a respectiva maquia.

Dantes iam aos moinhos da Panchorra, porque, devido à junção de ribeiros, o caudal é mais forte e bastante para os manter em funcionamento; mas também aqui teriam que pagar a maquia. Em anos de seca anormal e prolongada estiagem, os moinhos da Panchorra quase paravam e então tinham de recorrer aos de Ovadas e São Cipriano. O moinho a motor que existia na Gralheira cobrava caro. Para moer uma arroba de milho, pagavam-se cinco quilos desse cereal. Para encontrarem preço mais acessível, lá iam, de saco às costas por ali abaixo, até Ovadas ou São Cipriano, à procura dos moinhos de água. Passavam lá a noite, dormindo no chão ou sobre sacos cheios de farinha, à espera que o moleiro lhes entregasse o cereal moído. Manhã cedo ai vinham eles, agora montes acima, por caminhos onde o equilíbrio era difícil. O suor encharcava a roupa que vestiam e banhava-lhes o rosto nas íngremes encostas e longas caminhadas.

E quantas crianças executaram este trabalho, numa idade em que as de hoje apenas pensam em brincar! E ao longo da jornada quantas vezes as forças se esvaiam, sendo forçados a descansar aqui e além, para recuperarem energias perdidas. Era bem amargo o pão que comiam e bem duros os momentos que passavam. Mas sentiam-se felizes pelo trabalho feito, pelo dever cumprido, quando, ao chegar a casa, eram acolhidos com amor por toda a familia.

Depois destas breves considerações sobre as dificuldades da moagem, regressemos aos serões por ser o tema desta página. Como já ficou dito, cada família apenas coze o pão duas vezes por mês. Mas aquela gente tem necessidade de fazer serão todos os dias durante o Inverno, tanto para trabalhar como para passar melhor as noites que são longas e frias. Por isso, quando algum vizinho ou pessoa de família coze a fornada. ali se reúnem e fazem serão até à meia noite. Os rapazes solteiros acorrem a qualquer serão. Não é preciso ser família ou vizinho.

Dantes, para melhor saberem quem tinha cozido a broa, costumavam juntar-se em casa do tio Maximiano, antes de escolherem a casa onde passariam o serão. Ali reunidos, cada um procurava informar os restantes dos serões de que tinha conhecimento. Depois seguiam para o que mais lhes conviesse ou agradasse. Muitas vezes o grupo fraccionava-se, porque nem sempre estavam de acordo quanto à casa escolhida para o serão. É que na decisão a tomar tinham muita influência as raparigas que se encontravam em cada serão. Se na casa escolhida por maioria, não estavam as preferidas de alguns, estes separavam-se do grupo para procurá-las noutro lado.

Os serões tinham início por volta das vinte horas, depois de terem comido a ceia e rezado o terço em família. Chegavam primeiro os vizinhos e pessoas de família e só depois compareciam os rapazes. As cozinhas, como são espaçosas, acomodavam cerca de trinta pessoas, colocando bancos suplementares em toda a casa. À volta da lareira ficavam as pessoas mais idosas, para estarem mais próximas do borralho. Os homens entretinham-se a jogar cartas à sueca ou à bisca e as mulheres fiavam linho ou estopa nas rocas presas à cintura. As raparigas sentavam se nos bancos suplementares ou sobre as caixas e no tabuleiro, onde amassavam a fornada. Faziam meias e camisolas ou fiavam 1ã. Os rapazes procuravam sempre um lugar junto das moças, com quem conversavam durante o serão.

Às vezes formavam um grupo coral, cantando cantigas que todos seguiam e escutavam com interesse. Havia também anedotas e brincadeiras inofensivas. Mas, pelo que contam os mais idosos, os serões na Gralheira já assim eram antigamente. O serão parece ter sido sempre a melhor distracção naquela terra durante o Inverno. Até os caçadores que ali acorriam em tempo de caça, gostavam de assistir e tomar parte nesses serões. Entre esses caçadores havia um padre de nome Valente, natural da Pala, que nunca faltava a um serão, quando ali vinha caçar. Segundo dizem, tanto se dedicava à caça de coelhos e perdizes como a cortejar moças bonitas.

No fim dos Serões, todos comiam bola, oferecida pelo dono da casa e que fora cozida para o efeito. As cozeduras do pão andavam sempre controladas para que não se juntassem dois serões no mesmo dia na vizinhança. Mesmo durante o dia, já muita gente se concentrava nas casas onde se cozia o pão, tanto para se aquecer como para enxugar roupas que foram lavadas ou que a chuva tinha molhado.

As noites de domingo eram sempre mais aborrecidas, por não haver serão. Respeitava-se rigorosamente o Dia do Senhor, só se executando trabalhos absolutamente indispensáveis. Nas tardes de domingo, se chovia ou nevava, rapazes e raparigas juntavam-se na sala de qualquer componente do grupo, e aí, à volta duma braseira metida debaixo da mesa, entretinham-se a jogar cartas ou noutras brincadeiras.

Hoje ainda fazem serões, mas são pouco animados, por falta de mocidade, que partiu em busca de melhores condições de vida nas grandes cidades. Quanto à cozedura do pão, resta-me acrescentar que, como cozem só duas vezes por mês e para que o pão não endureça, emprestam broas aos vizinhos e familiares, que estes retribuem quando cozem. Assim, podem comer o pão sempre fresco, sem terem necessidade de cozerem muitas vezes. Se chegada a hora da refeição e o pão acabou, vão a casa do vizinho buscar uma broa, quer ele esteja quer não, tendo o cuidado de a pesar para depois poderem devolver uma com o mesmo peso.

Para entrar em casa do vizinho não é preciso chave, porque as portas só estão encostadas ou com fechos e aldrabas, numa demonstração de que não há receio de gatunos, que realmente não existem. Se precisam de qualquer peça de ferramenta que o vizinho tenha, utilizam-na mesmo na sua ausência e só quando chega é que lhe dão conhecimento. Aquela gente vive intimamente unida e em perfeita comunidade. Se algo de anormal acontece a qualquer pessoa, todos se entristecem e acorrem em seu auxílio. Terra agreste e fria. perdida entre montanhas. mas de almas quentes e generosas.