A principal fonte de receita da gente
que labuta na Gralheira e nas aldeias vizinhas provém da criação de gado. O que mais
predomina é o vacum, caprino e ovino. As vacas criadeiras são as que maior rendimento
dão ao lavrador, quer pela criação de vitelos que vendem por bom preço, quer pela
grande ajuda que dão no cultivo das terras, uma vez que ali ainda não chegou a máquina
agrícola capaz de as substituir nesse trabalho. A freguesia da Gralheira é uma das mais
pequenas de todo o concelho, em população, com cerca de trezentos habitantes; mas deve
ser a de maior criação de gado, graças às boas e largas pastagens que possui. Só Na Gralheira já
houve mais de duzentas vacas criadeiras e mais de mil e quinhentas cabeças do gado ovino
e caprino. Para fecundar as vacas há apenas um boi, a que chamam de cobrição. Hoje
ainda há o boi de cobrição, mas a criação de gado está muito reduzida. Durante o
Verão não há grandes problemas quanto à sua alimentação, mas no Inverno, por causa
do frio e da neve, as pastagens escasseiam. Para resolverem essa dificuldade, colhem
muitos carros de feno, durante o Verão, que cortam nas lameiras guardadas de Março a
Julho e que com as chuvas da Primavera se cobrem de erva espessa e boa. Esse feno,
guardado em palheiros é o principal alimento do gado durante o Inverno. As cabras e ovelhas são
também fonte de receita para o lavrador, tanto na recria como na produção de leite e
lã. Mas hoje este gado está em decadência. Dantes cada lavrador tinha mais de quinze
cabeças. Havia pessoas que se ocupavam só a guardar rebanhos, que normalmente eram
compostos A serra é enorme e fértil em pastagens, podendo criar mais de duas mil cabeças de gado, mas por falta de pastores, está a «vigia» reduzida a cerca de cento e cinquenta cabeças. Até a serra se tornou solitária só com um rebanho. Dantes de certo modo, até era agradável ser pastor, porque havia bulício e movimento, em qualquer parte se encontrava companhia e distracção. E a falta do estrume que esse gado fazia, está a reflectir-se nas terras de cultivo, que já não produzem como dantes. Existem ainda outros
animais domésticos, tais como as aves de capoeira, que lhes oferecem os ovos e a carne.
Dantes havia o gado cavalar que lhes servia de meio de transporte tanto para pessoas como
mercadorias, facilitando assim as grandes viagens, já que o automóvel ainda não chegou
àquela terra. Hoje esse gado quase desapareceu. Há ainda cães de guarda para defenderem Os animais perigosos que
habitam na serra são os lobos e as víboras. Os primeiros atacam os rebanhos e se a fome
aperta, ameaçam também as pessoas. As víboras são répteis altamente venenosos. A sua mordedura
é tão mortífera que quem for mordido e não andar rápido em busca de remédio para
combater o veneno injectado, poucas horas terá de vida. Algumas pessoas da Gralheira
morreram vitimas das mordeduras das víboras, enquanto não descobriram o antídoto para
combater o veneno. Hoje já existem remédios eficazes para combater essas mordeduras.
Elas surgem em abundância nos primeiros dias quentes de Março e Abril, altura em que
acordam do sono letargo em que passaram o Inverno e saem dos buracos em busca de Sol. É
nessa altura que acasalam e por isso se juntam. Findo este período, que termina em fins
de Abril, dispersam e refugiam-se em sítios frescos durante o Verão, sendo difícil
encontrá-las. Caídas as primeiras chuvas outonais, voltam a surgir em quantidade e as
fêmeas estão prestes a ter os filhos. Trazem sete e oito cada, reproduzindo-se por meio
de ovos chocados no ventre materno. Hoje já se vêem poucas víboras, devido à caça que
lhes foi movida. As que escapam ao morticínio, regressam aos seus refúgios de Inverno,
onde dormem até que chegue a Primavera. Existe ainda o lacrau, também venenoso mas pouco vulgar, cujo veneno provoca fortes dores, mas não é mortífero. Temos ainda a cobra, o sardão ou lagarto, o alicranço e a sardanisca, mas são répteis inofensivos. Quanto aos lobos, dizem as pessoas mais idosas que dantes desciam ao povoado em busca de vitimas, chegando a espreitar nas janelas das habitações, enchendo de pavor os seus habitantes. Para se defenderem tinham valentes cães, que ficavam da sentinela. Entre esses, houve um que
se tornou célebre pela sua valentia e ainda hoje as pessoas falam dele. Era o cão do
Batoco que, nascido e criado na Gralheira, nunca quis casota para pernoitar. O seu posto
de observação era em cima da casa do seu dono, coberta de colmo. Ali passava as noites a
farejar e quando pressentia que algum lobo se aproximava da povoação, logo o perseguia
até aos Além deste animal selvagem
e de certo modo perigoso, existe ainda a raposa e o texugo que, não sendo animais
perigosos, causam bastantes prejuízos. A raposa ataca as aves de capoeira e o texugo
destrói a cultura do milho. Quanto à flora de cultivo, existe apenas a batata, feijão,
milho, centeio, hortaliças e legumes. Fruta há muito pouca. Apenas alguns caranguejos,
abrunhos, nozes, castanhas e algumas maçãs. Uvas há poucas e nem sempre amadurecem. As
árvores mais predominantes são o carvalho, amieiro, salgueiro, vidoeiro ou amieiro
branco. Na classe de arbustos, existe a piorna, a giesta, a urgueira, etc. O amieiro e o
salgueiro dão-se bem à beira dos Todas estas árvores e arbustos são de folha caduca, nasce na Primavera e cai no Outono. De ramos nus é mais fácil resistir à violência do temporal, durante o inverno. Se tivessem folhas o vento encontraria maior campo de acção nas ramagens espessas, derrubando-as na sua passagem. Assim, o vento passa entre as pernadas nuas, sem exercer grande pressão sobre as árvores. Passam a época invernosa como que adormecidas, para na Primavera se cobrirem novamente de lindas folhas e flores. É triste ver as folhas cair uma a uma, como vidas que se apagam, que morrem e baixam à sepultura. Quando, no Outono, os primeiros sopros de vento fazem estremecer as árvores que cobrem os bosques e lhes rouba a cobertura de folhas amareladas e caducas, lançando-as por terra, há sempre uma nostalgia a invadir-nos a alma e o coração. É nesses dias românticos de Outono que sentimos mais perto a certeza e a convicção de que tudo o que nasce morre. Mas se no Outono há meditação e saudade, na Primavera haverá sempre esfuziante alegria, com o rebentar das seivas nesses ramos que pareciam mortos e que voltam a cobrir-se de verdura, graça e beleza.
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