Gralheira

Como toda a região é fértil em granito, as paredes das casas foram quase todas construídas de pedra e algumas bem trabalhadas. Mas a maior parte são de pedra tosca, conforme saíu da pedreira. Apresentam a parte exterior mal alinhada e no lugar do cimento ou da cal encontra-se o musgo, ali colocado para tapar todas as frinchas por onde o vento pudesse entrar.

Aspecto da zona dos Carvalhos onde se pode ainda ver nos palheiros mais antigos o colmo

As paredes são dobradas e quase todas com um metro de largura, para que a humidade não penetre no seu interior, pois os invernos são húmidos e rigorosos. Mas se na parte exterior não foram exímios no trabalhar da pedra e no alinhamento das paredes, já o mesmo não sucedeu no interior, onde se esforçaram por deixar a parede o mais lisa possível, para depois cobrirem com barro que arrancavam nas proximidades e amassavam para tal efeito. É que o barro não estando em contacto com a humidade, aguenta-se muitos anos sem ser preciso substituí-lo.

A cobertura das casas era e ainda é, em muitos casos, feita de colmo. Faziam a armação em madeira e mesmo sem tábuas a forrar o tecto, deitavam-Ihe uma espessa camada de colmo, que, depois das primeiras chuvadas em que ainda deixava penetrar algumas gotas, se tornava completamente impermeável à chuva.

A arte de colmar tem também os seus segredos, para que fique um trabalho perfeito. Para isso existiam e ainda axistem homens habilidosos nessa arte, que a têm transmitido de geração em geração. A razão porque cobriam as casas de colmo estava de certo modo ligada à dificuldade de transporte da telha, por aquela freguesia não possuir uma estrada que a ligasse ao resto do mundo. Mas outras razões havia para que assim acontecesse. A falta de meios financeiros para comprar a telha e o facto das casas cobertas de colmo serem mais quentes, tinham influência decisiva numa terra pobre e fria como aquela.

Recordo a propósito, um nevão caído ainda há poucos anos, em que nas casas cobertas de telha a neve se infiltrou de tal modo através das frinchas do telhado, que ficou uma camada sobre o forro, obrigando os seus moradores a trabalho intenso para se libertarem da neve, enquanto as cobertas de colmo se mantiveram impermeáveis à intempérie. Hoje já há lindos prédios com paredes perfeitas e telhados Vista parcial da Gralheira, com a PENA ao fundobem desenhados, graças a maiores recursos financeiros e à abertura da estrada que permitiu a chegada dos novos materiais de construção. Estou certo que, em breves anos, o colmo acabará por desaparecer, sobretudo nas casas de habitação. Nos prédios agora construídos, já se vê no lugar da pedra, o tijolo ou bloco de cimento, porque a mão de obra para trabalhar a pedra, é muito cara. Dias numa terra fria como aquela, de Invernos muito rigorosos, a substituição é francamente negativa.

A maior parte das casas antigas têm as portas baixas, protegidas por um coberto, que geralmente utilizam para arrumação de ferramentas, alfaias agrícolas, capas e capotes quando chegam molhados e também para proteger as pessoas da chuva, enquanto abrem ou fecham a porta, tomando ainda a casa mais quente. As capas que dantes usavam (e alguns ainda usam) eram feitas de junco e muito dificilmente a chuva conseguia penetrar no seu interior.

As cozinhas são típicas e geralmente espaçosas, vendo-se a um canto o indispensável forno, onde cozem a fornada, feita da mistura de farinha de milho com centeio. A boca do forno fica voltada para a lareira, existindo em algumas uma pia de pedra para aparar as brasas que saem do forno em dias de cozedura. As lareiras ficam quase sempre mais fundas que o resto da casa para melhor aconchego na época fria. Têm bancos em redor, para que possam comportar não só os membros da família, mas também os vizinhos e amigos, quando, em dias de cozedura, fazem serão até à meia noite, durante o Inverno. Por cima do trasfogueiro fica a mesa ao A retirar o pão do fornoalto, como uma espécie de armário, onde guardam a broa, talheres, garrafas de vinho, etc. A parte da frente é móvel e abrindo como uma tampa, através de dobradiças que tem ao fundo, fica atravessada na lareira, apoiada num cabo a que chamam «rabo da mesa». Sobre ela tomam as refeições durante o Inverno, porque, dessa maneira, podem ter os pés sempre quentes próximos do borralho.

A mesa situa-se um pouco mais para o lado do chefe de família, que é quem a desce e levanta a todas as refeições. As lareiras são em forma de semicírculo ou meia lua, sentando-se o marido junto da mesa, a mulher do lado oposto e os filhos, se os houver, ficam entre ambos como um elo de ligação. Do lado do chefe de família há quase sempre um preguiceiro, banco de madeira com encosto, e ao alcance da mulher fica o armário onde guarda a louça e géneros alimentícios. Dantes, do lado desta, ficava também o caneco da água, que enchiam nas fontes públicas, mas tornou-se desnecessário a partir de 1976, altura em que passou a haver abastecimento de água ao domicílio.

Ao centro da lareira, suspensa por um cordel ou arame, ficava a candeia a petróleo, que com a sua luz pálida e frouxa, deixava tudo à média luz. Sobre a lareira, a uns dois metros de altura, fica o caniço para arrumação e secagem de lenha, quando húmida ou verde, para que esta nunca falte na fogueira que os aquece e conforta. Noutro canto da casa existe a salgadeira, onde depositam a tão famosa e apetecida carne de porco, que serve de alimento e governo para todo o ano, já que ali não há produção de azeite. Hoje as salgadeiras foram quase todas transferidas para as dispensas, havendo apenas um ou outro que as mantém nas cozinhas.

Existem ainda outras caixas para depósito do cereal proveniente das colheitas. Sempre perto do forno, fica o tabuleiro, onde amassam a fornada. Têm também algumas camas, onde dormem durante o inverno, por na cozinha ser mais quente sob as quais guardavam antigamente as batatas, para não a melarem com o gelo. No coberto junto da porta de entrada, ficava, normalmente, o galinheiro e ao lado a casota do cão, se ele existia, para defender as galinhas da raposa, que por vezes fazia grande destruição.

Quanto às salas, pouco mais há a dizer. As antigas eram, de modo geral, amplas, sem forro e muitas vezes bastante longe das cozinhas. Se tinham quartos, eram pequenos, mal cabendo a cama e pouco mais. Hoje estão quase todas forradas, pintadas e com alguns quartos. Normalmente situam-se no primeiro andar, ficando o rés-do-chão para currais de gado. As janelas normalmente são pequenas e de abrir para Aspecto de casas velhas na zona do Curralmelhor resistirem ao temporal. Tudo que acabo de descrever relaciona-se com as casas velhinhas da Gralheira, porque as construídas ou remodeladas agora, ficam com um aspecto muito diferente. Embora haja muita gente agarrada aos velhos costumes e tradições que não abandona as maneiras antiquadas de viver, a verdade é que quem vê hoje a Gralheira e a conheceu há alguns anos atrás, não lhe parece a mesma. A sua fisionomia está profundamente alterada. Ainda não há muitos anos que apenas se viam duas ou três casas coberta de telha e de paredes caiadas, no meio daquele aglomerado de casas cinzentas, gastas pelo tempo. Em muitas casas antigas o colmo deu lugar à telha e as paredes foram reconstruídas e pintadas. Surgiram novos prédios de linhas modernas a confundir-se com os das vilas e cidades. Mas ao colocarem telha nas casas antigas, sobretudo nas cozinhas, fizeram-no sobre o colmo, para não ficarem frias. Com a chegada da electricidade as ruas passaram a ser iluminadas e a lâmpada substituiu a candeia. E, em linhas gerais, é tudo quanto posso dizer das casas que compõem aquela humilde aldeia.