Sino Grande Porque Te Calastes |
Sino Grande, assim chamado a conhecido, não por seres muito grande, mas porque eras maior do que o teu companheiro do lado. Nascido numa fundição algures no país, chegaste à Gralheira e subiste ao campanário, no longínquo ano de 1840, certamente aplaudido pelos adultos a admirado pelas crianqas de então. Eras o maior, o rei e senhor do velhinho campanário, que estremecia a abanava quando te baloiçavas em simultâneo com o teu companheiro menor. Durante mais de cem anos, ali permaneceste preso à sineira, para seres o único meio de comunicação e chamamento de toda a gente da Gralheira. Do teu trono assististe a passagern de várias gerações. Repenicavas nos baptizados, cantavas nos casamentos, choravas nos funerais a tocavas a rebate para acudir aos incêndios e sempre que era preciso reunir o povo de emergência. Eras a voz da Gralheira! Para chegar junto de ti não era fácil. O velho campanário era servido por uma escada tosca, assento sobre o muro do adro, feita de um carvalho serrado ao meio, de alto a baixo, com travessas a servir de degraus. As crianças olhavam para ti ansiosas por te tocar, mas subir as escadas era aventura a que muitos não se atreviam. Os degraus não estavarn feitos para as suas curtas pernitas. Quando conseguiam subir exultavam de alegria e já se consideravam adultos. Só que a descida era mais tenebrosa e, muitas vezes, não conseguiam descer, sem o auxílio de alguem. E tu, sino grande, rias, gosavas, com o pavor que as, crianças manifestavarn na descida. Assim passaste 107 anos da tua vida, no velhinho campanário, sofreste pedradas dos garotos, quando não conseguiam subir até ti ou chegar até ao arame que prendia o teu Badalo até próximo do solo. Mas, em 1947, tudo se modificou. Há muitos anos que a gente da Gralheira sentia necessidade de ampliar a Igreja a construir uma torre. Era sonho antigo de varias gerações, só que as condições financeiras não permitiam a realização desse sonho. Mas, em 1947, chega do Brasil o Sr. Oliveira, que toma a seu cargo, a major parte do custo da obra. Faz-se o projecto onde o campanário é condenado à demolição, para dar lugar ao avanço da Igraja. E tu, sino grande, foste apeado do teu pedestal, juntamente com o teu companheiro. Ainda me parece ouvir as tuas badaladas na descida, badaladas pungentes de dor e saudades, como de alguem que é desalojado de casa e assiste, irnpotente e triste, à sua demolição! E tu sentiste o grande erro que foi destruir o campanário, quando podia ter ficado a fazer parte da parede da Igreja e hoje seria um monumento que muito teria a dizer à gente nova. Mas a ânsia do progresso e modernismo, acabou com o velho campanario. E tu, sino grande, durante tres anos, ficaste encostado na sacristia, à espera que a torre fosse concluida. Entretanto, o teu companheiro, empoleirado num cavalete de madeira, ao fundo do adro, ia fazendo "das tripas coração" para, sozinho executar as tarefas que eram dos dois. E tanto trabalhou, tanto tocou, que veio a sucumbir antes de subir à nova torre, com uma fenda de alto a baixo. Em 1950, a torre estava concluida; e tu subiste à nova sineira. por entre reclamações de jubilo e forte foguetório. Para teu companheiro colocaram outro sino, ainda mais pequeno que o falecido, na sineira à tua frente. E, durante 38 anos, ali permaneceste sempre firme no teu posto, cumprindo pronta e fielmente a tua missão. Parecias menos alegre que no campanário, porque a nova torre não abanava quando davas cambalhotas, parecia indiferente ao teu tocar. Mas em 31 de julho de 1988, precisamente quando tocavas para a missa solene da festa em honra da Nossa Senhora da Graça, emudeceste a nunca mais voltaste a tocar! Porque te calaste, sino grande? Seria porque não eras ouvido, porque não escutavam a tua voz quando convidavas as pessoas às praticas religiosas? Seria porque te desprezavam, porque não te tocavam ao meio-dia e às trindades como antigamente? Seria desgostoso por te parecer a gente de hoje menos crente que a de outrora? Talvez tudo isso aliado aos muitos anos que já tinhas, te tenha feito sucumbir. Uma fenda abriu-se na tua estrutura que te remeteu para o silêncio eterno. Ainda permaneceste mais quatro meses e meio no teu posto, antes de seres substituído, mas eras um corpo moribundo, sem vida, sem voz. No dia 15 de Dezembro de 1988. foste, enfim apeado e substituído por um novo sino. Na tua descida ainda tentavas dizer alguma coisa, mas a tua voz, não era perceptível, os teus gemidos, os teus lamentos, eram abafados por essa rouquidão fatal. Nada mais havia a fazer. No adro, junto da torre, foste retalhado, feito em cacos à força de marretadas, para seres pesado e vendido como ferro velho. Sino grande, porque to calaste? Certamente viste lágrimas nos meus olhos, na hora do adeus! E como não havia de derrama-las ao ver partir para sempre aquele sino de voz inconfundível, que tocou no meu baptismo, que alvoraçava o meu coração de crianqa, quando na Páscoa repenicava aleluias e me fazia lembrar dos que já partiram quando dobrava a finados?! Tu partiste, sino grande, mas urna eterna saudade ficará sempre a recordar a tua voz. |
Gralheira, 5 de Janeiro de 1989 |