Matança do Porco 

Há dias que o Zé da Gralheira não dormia descansado. Tinha o porco para matar e era preciso ter as coisas todas em ordem para o dia da matança. Já tinha a palha de centeio escolhida para chamuscar o porco e colocar por baixo na altura de o virar. As facas de barbear já estavam bem afiadas para cortar algum pêlo que o lume não queimasse. A corda para amarrar o focinho do porco, à cabeçalha do carro também lá estava dependurada, já de laçada feita. Enfim. tudo pronto para o grande dia. Mas era preciso esperar que o tempo arrefecesse. Ia demasiado quente para salgar. As geadas tardavam e o gelo não aparecia. Entretanto, ia pedindo ao S. Pedro que arrefecesse o tempo e a Santo Antonio para que lhe guardasse o porquinho ate ao dia da matança. Seus rogos nao foram em vão. Em breve o frio chegou. Com o porco a gozar de boa saúde.

Combinado o dia. o Zé levantou-se cedo, pois as preocupações não o deixaram dormir. Ao nascer do sol iam chegando os convidados. O .Joaquim. o António, o Manel, o Celestino e o João. A garrafa de aguardente já estava em cima da mesa que o Zé descera para matar o bicho. Sentados à lareira onde crepitava reconfortante fogueira, misturavam a broa de milho a centeio com a bagaceira. O vento estava forte e gelado, era preciso aquecer bem antes de fazes a pega. O animal era de respeito e arisco. não permitia que lhe tocassem.

Terminado o mata bicho, todos se prepararam para fazer a pega à saida do corral. O primeiro, ao deitar-lhe a mão sofreu logo uma ferradela a estendeu-se na calçada. Entretanto. o porco fugia, levando tudo à frente.

Mais gente se juntou e a algazarra era enorme'. O pobre animal sentia-se aturdido com tudo aquilo e não conseguiu resistir ao cerco que lhe moveram. Uns às orelhas, outros ao rabo, Iá conseguiram dominá-lo, a ponto de o matador lhe enfiar a laçada da corda na boca. Arrastado para junto do carro de bois, já devidamente preparado, os das orelhas e do rabo passaram a pegar-lhe nas patas, para o deitarem em cima do carro e não o deixarern estrebuchar. A corda presa na boca é enrolada na cabecalha do carro e está tudo pronto para o golpe fatal. O matador pega na faca. Benze-se e aponta-Iha ao coracao. A mulher do alguidar já está a postos para aparar o sangue. O porco grita, perneia, mas tudo em vão, passados poucos minutos, é um corpo inanimado. sem vida.

Então desatam-lhe a corda do focinho, puxam-no um pouco para trás e começa a chamusca. Dois com palha acesa e os restantes a raspar-lhe a pele. Pronto de um lado, vira-se do outro. Acabado de chamuscar, lava-se e barbeia-se.
Os caes andam a volta, aguardando que Ihes deitem os “sapatos" do porco.
Em seguida o porco é conduzido a casa, onde é dependurado e aberto. Tiram-lhe as vfsceras e o unto. Dantes o unto era pesado e era considerado o melhor porco o que desse mais arráteis de unto.

Terminado o trabalho, é oferecido almoco a quantos participaram matança. Passado dois dias, o porco é desmanchado e metido na salgadeira, excepto os lomhos que ficam em vinho a alho durante quinze dias, para fazerern os salpicões.

Esta cena repete-se, na Gralheira, várias vezes por dia. nesta quadra do ano. 

Gralheira 15 de Dezembro de 1988