Até que enfim, a ligação à Panchorra

Panchorra e Gralheira são duas freguesias serranas e vizinhas tão próximas que se podem cumprimentar de janela para janela, Não se olham frente a frente, porque situadas, a Panchorra a Norte e a Gralheira a Sul, estão voltadas a Poente e Nascente, respectivamente. Pode dizer-se que, colocadas lado a lado se olham de resvés, como sempre parece ter sido o seu relacionamento, Freguesias muito próximas são rivais por natureza e um bairrismo exagerado pôs em confronto, muitas vezes, as gentes das duas povoações.

Era nas romarias, nos bailes, nas feiras, enfim, onde se reuniam pessoas das duas partes, até a criançada criava conflitos pele disputa do Poço do Morrão, no Cabrum, quando no verão ali tomavam banho. Havia agressão mútua à pedrada, mas sem consequências graves.Esta hostilidade foi sempre mais aparente que real. Eram como duas irmãs que se guerreavam, mas que, ao mesmo tempo, se queriam muito.

Quem analisar em profundidade as relações entre os dois povos, há-de verificar que houve sempre muitos mais pontos a uni-los que a separa-los. Podiam as relações ser tensas devido a uma briga recente; mas chegava a hora da dor, do sinistro ou da aflição, tudo esqueciam para se ajudarem mutuamente. Via-se nos funerais, onde todos se incorporavam. Nos incêndios, onde todos acorriam quando os sinos tocavam a rebate, deitando mãos a tudo que pudessem para combater o sinistro. Quando alguém se perdia na serra, todos o procuravam sem descanso, até o encontrarem vivo ou morto. Perante tudo isto teremos que concluir que estes dois povos têm passado comum e, se dantes, ainda tinham as escaramuças a quebrar, de vez em quando, essa unidade, isso hoje pertence ao passado.

Por isso não fazia sentido que duas povoações tão próximas e de interesses comuns, estivessem só ligadas por um sinuoso e desnivelado carreiro, subindo e descendo ladeiras, passando sobre o Cabrum, numa ponte estreita e sem guardas. Um quilómetro de distância separa as duas aldeias, seguindo esse carreiro. Por estrada eram cerca de 60 quilómetros. Uma estrada que ligasse as duas freguesias, era reclamada há muito! Mas a Gralheira pertence a Cinfães e a Panchorra a Resende, com o Cabrum a separá-las. Aos pedidos feitos as Câmaras respondiam que quando a outra fizesse ela também faria. Eram cerca de 800 metros dentro de cada concelho até ao Cabrum, Parecia que não saíamos deste impasse. Mas eis que a Câmara de Resende toma a iniciativa. Homens e máquinas, em poucos dias, rasgam a estrada até ao Cabrum. A de Cinfães segue-lhe o exemplo, rompendo dentro do seu concelho. Em breve as duas freguesias estarão ligadas por uma estrada com cerca de 1600 metros, em substituição dos 60 quilómetros que tinham que percorrer.

É bonito, é louvável, é justo, ver as Câmaras Municipais darem as mãos e participarem, mutuamente, em obras de interesse comum. Não pode haver barreiras entre concelhos, porque assim as freguesias limítrofes ficam num beco sem saída, sobretudo quando se situam em zonas serranas, como Gralheira e Panchorra. Quantas pessoas subiam à Gralheira na intenção de descer por Resende e ficavam decepcionadas ao verificarem que a estrada terminava aqui. Do lado da Panchorra, com certeza que sucedia o mesmo. Numa altura em que as fronteiras são abolidas entre os países da Comunidade Europeia, não faz sentido que cada concelho viva fechado dentro dos seus limites.

Deu o exemplo a Câmara de Resende; seguiu-o a de Cinfães. Cabe agora às Câmaras de Castro Daire e de Cinfães acabar com a zona cinzenta, com a terra de ninguém, alcatroando a estrada entre Gralheira e Picão. À de Cinfães cabe-lhe apenas dois quilómetros e duzentos metros. À de Castro Daire cerca de cinco quilómetros. Não deixem morrer a estrada, que o povo abriu com tanto suor e que tanta falta lhe faz. Dêem as mãos, como Cinfães e Resende. O povo da Gralheira saberá agradecer.

Gralheira, 13 de Outubro de 1998