Ainda o dia vinha longe, já a Maria se levantara naquela madrugada de
Outubro, quente e serena, que prometia um dia soalheiro, para a seca do milho.
Mantas à cabeça, sacos enrolados debaixo do braço, aí vai ela encosta acima, em
direcção ao sequeiro. situado no cabeço sobranceiro ao povoado. junto ao cruzeiro.
Era preciso ter tudo pronto para a debulha. Palha estendida, mantas esticadas, cestos,
brezes, engaços, tudo em ordem para entrar em acção, logo que a debulhadora chegasse.
Esta não tardava; já se ouvia o ruído do seu motor e em breve chegava ao sequeiro
conduzida pelo Alfredo. Este tinha pressa porque outros o esperavam no sequeiro do curral.
Entretanto mais gente chegava. O Manel, o António, o Celestino, o Herculano, o Armando, a
Gena, a Maria da Luz, a Isabel, enfim, uma pequena multidão que se ajudava mutuamente. Os
carros já ali ficavam de véspera, com as sebes bem cheias de espigas.
Começada a debulha, as ordens e recomendações dos mais velhos
sucediam-se.
- Ó António. puxa p'ra cá esses sacos. Ó Joaquim. traz daí esses cestos. O Gena.
stica pra lá essas mantas. O Manel. arreda esses casulos. E tu ó Lena, que stás
aí pasmada, puxa esse milho pra baixo.
No centro de todo este movimento estava a debulhadora, alimentada por cestos de milho que
os homens lhe despejavam em cima, enquanto as mulheres, ajoelhadas, estendiam o milho
debulhado sobre as mantas de tiras ou burel.
Terminada a malha de um, seguia-se a de outro, onde todos colaboravam num trabalho comum.
de entreajuda saudável. Uma autentica família.
Malha feita, milho estendido, era só esperar que o sol fizesse o resto. E fazia, porque
estava quente com uma ligeira brisa de sudeste a dar ajuda.
Mas eis que a meio da tarde despontam no horizonte algumas nuvens de
trovão. Os mais cautelosos e prevenidos, torcem o nariz e não tiram os olhos do Céu.
- Será que vai chover? Interrogam-se.
As nuvens adensam-se, enegrecem. Ouve-se o primeiro trovão e chegam algumas gotas de
chuva. Então um grito ecoa por todo o povoado.
- já chove!
E como que impulsionados por força estranha, todos correm em direcção ao sequeiro,
parecendo levar lume nos pés. Enquanto uns dobram as pontas das mantas para o centro
cobrindo o milho, outros despejam-no em sacos que são imediatamente conduzidos ao
palheiro-abrido comunitário. Recolhem-se as mantas e junta-se a palha que se cobre com
impermeáveis.
Se alguém se atrasou ou não pôde vir porque estava longe, o seu milho não se molhou.
porque todos acorreram em seu auxílio e lho recolheram a tempo.
No meio daquela barafunda todos davam ordens e contra-ordens. Na ância de arrumarem tudo
depressa, ralham discutem, procurando que os mais pasmados se mexam.
Mas a trovoada não passou de um susto. As nuvens rasgaram-se e o sol voltou a brilhar.
Palha mantas e milho voltaram a estender-se e só ao fim daquela tarde romântica com o
sol dourado a esconder-se atrás do penedo da saúde, é que o milho voltou a ser
ensacado, para ficar ali no sequeiro, coberto com mantas palha e plásticos, à espera do
sol radioso do dia seguinte.
Homens e mulheres regressam a casa, onde os espera a ceia nutritiva e o repouso merecido.
Ao fim de três quatro dias de sol o milho fica seco e é depositado nas velhas e grandes
caixas de madeira, onde aguarda a altura de ser moído e transformado em pão.
Gralheira, 10 de Dezembro de 1986