A Luta de Galos O Rogério é um rapaz de 45 anos, a quem a sorte não favoreceu, no capítulo da saúde. Vítima de paralisia aos 9 anos, tem vivido preso numa cadeira de rodas, incapaz de cuidar de si, sem o auxílio de alguém. Vive só, mas não lhe falta o carinho e a ajuda dos primos, tios e de toda a rapaziada. Podia viver em Lisboa com um irmão, mas é na sua casa, na sua terra que ele gosta de morar. A sua casa de granito, junto à fonte, está aberta a toda a gente. Ali se reúnem diariamente, à noite, os rapazes e raparigas da aldeia. Jogam cartas, damas, vêm televisão e às vezes toca-se e canta-se o fado. Uns chamam-lhe o club, outros a casa do fado. E o Rogério sente-se feliz com este calor humano, com esta solidariedade. Se precisa de lenha, os rapazes vão buscar. Se deseja deslocar-se a qualquer parte, empurram-lhe o carrinho. Qualquer ceia de confraternização que os rapazes queiram fazer, é em casa do Rogério que se faz. Enfim, uma autêntica família. Amigos não lhe faltam. Podem contar-se por amigos todos os rapazes da Gralheira. Até na Panchorra os tem e alguns bem dedicados. O Zé, por exemplo, que esta sempre pronto a ajudá-lo no que for preciso. Apesar da sua incapacidade física o Rogério gosta de reinar e pregar as suas partidas. A semelhança de quase todos os habitantes da Gralheira, também o Rogério gosta de ter as suas galinhas, coelhos, patos e perus. E na capoeira das galinhas há sempre um galo de respeito, capaz de fazer frente a qualquer outro. E para o pôr à prova combinou com a rapaziada de o levar á Panchorra, para o deitar à bulha com um galo de lá. O dia oito do corrente mês, foi o dia escolhido. O seu amigo Zé que tinha vindo visitá-lo, aplaudiu a ideia e tomou a seu cargo arranjar na Panchorra outro galo para lhe fazer frente. Puseram-se a caminho. Uns empurravam o carro do Rogério, outros tocavam e cantavam e um outro levava o galo. Chegados á Panchorra, como era ainda a época dos Reis, aproveitaram para tocar e cantar à porta de alguns. Uma chouriça, um salpicão e algum dinheiro, foi a recolha que obtiveram. Mas o motivo principal de estarem ali, era a luta dos galos. Só que o Zé tinha dificuldades em arranjar antagonista. Mas o programa estava feito tinha de ser cumprido. Na falta de outro foi a sua casa e trouxe o galo que tinha na capoeira. Tarefa difícil, tanto para apanhar o galo como para vencer a resistência da sua mãe, que não queria ver o galo envolvido numa luta que podia ser de morte. Entretanto, muita gente tinha chegado ao largo, junto à Igreja. A notícia da luta dos galos espalhara-se e todos queriam assistir. Colocados no campo de batalha, os galos pareciam desconfiados e nenhum queria abrir as hostilidades. Mas o Sr. Manuel da venda lançou-lhes uns grãos de milho e isso bastou para que o do Rogério se atirasse ao adversário. A luta durou cerca de vinte minutos, com o galo do Rogério a impor-se no começo, mas a ser vencido no final. O da Panchorra era mais pequeno, mas mais ágil e agressivo. No meio da contenda, ainda apareceu um terceiro sem ser convidado e logo atacou o seu conterrâneo. Certamente queria aproveitar o auxílio do da Gralheira, para se vingar das tareias que teria levado noutras ocasiões. Só que isso não foi permitido, sendo expulso do campo de batalha. Vencido o galo do Rogério foi condenado à morte e para o substituir na capoeira, a rapaziada comprou o vencedor. Depois de uma tarde de confraternização entre gente das duas freguesias, os rapazes da Gralheira regressaram à sua terra com os dois galos. O vencedor substituía o vencido e este, era degolado para servir de ceia com o fumeiro recolhido, em duas panelas de arroz. O Zé da Panchorra foi convidado e esteve presente. Cerca de trinta pessoas cearam em casa do Rogério. A noite cá fora estava fria. Mas lá dentro havia calor! Havia calor na lareira, no fogão e nos corações daquela juventude animosa que sabe viver e conviver! E os olhos do Rogério somam de felicidade ao sentir-se envolvido por tanto calor humano! No fim da ceia tocou-se e cantou-se o fado até de madrugada. No final alguns acompanharam o Zé até a sua casa na Panchorra. Também ele ia feliz, por ter bons amigos na Gralheira. Como foi belo conviver assim, num dia que não esquece! Gralheira. 17 de Janeiro de 1989 |